domingo, 11 de outubro de 2020

Chega de Representatividade

     Nos últimos tempos tem sido amplamente divulgados por meio das redes sociais e dos meios de comunicação tradicionais vários discursos sobre a importância da representatividade.

     Essa palavra comprida que significa nada mais do que ver todo tipo de gente em todo tipo de lugar. Por ser eu um homem negro, ao longo deste texto darei uma maior ênfase a visão específica da representação desta parcela da população que me atinge diretamente.

     Representatividade me remete a representante, que me faz lembrar automaticamente das(os) representantes de classe que durante o ensino fundamental tinham o papel não apenas de anotar o nome de quem fazia bagunça, apesar dessa ser a parte favorita de muitos, mas também de representar os interesses da turma durante os conselhos de classe. Eu cheguei a ser cogitado para este cargo algumas vezes e sempre fui enfático ao declinar do convite. O motivo? Custo benefício.

     Simplesmente não valia a pena ser o "dedo duro" da turma absolutamente de graça. O representante não tinha nenhum benefício na escola e pior, nas quartas, quando todos os alunos iam embora mais cedo para assistir a segunda parte da TV Globinho ou participar das aulas de  música do projeto Jovem Aprendiz, ele ficava em uma sala vendo os colegas serem criticados pelos professores.

     Basicamente, os representantes eram espectadores das decisões tomadas, assim como nós, mas que ficavam sabendo destas antes de nós. O máximo de serviço que eles prestavam aos alunos eram as negociações de adiantamento de aulas em caso de ausência de professores, o que nos permitia chegar em casa mais cedo para assistir PowerRanger Mighty Morphin em outros dias da semana além da quarta.
     Falando em PowerRanger, tem uma coisa interessante sobre representatividade nesse programa infantil. O time de heróis contava com dois homens brancos, uma mulher branca, uma oriental e um negro. Acho que posso dizer que é um dos poucos programas que assisti na minha infância que contava com um homem negro, mas estranhamente, durante as brincadeiras, ninguém queria ser o Ranger Preto, todos os meninos queriam ser o Ranger Vermelho.
     Isso poderia ser justificado pelo fato dele ser o líder do grupo, mas quando eu penso em outros programas que eu assinti na minha infância vejo que raramente o personagem principal era meu favorito. Então, o que impedia meus amigos, em sua maioria negros, de se verem representados pelo Ranger que mais se assemelhava a eles? Ao meu ver, o esteriótipo!
     O esteriótipo é o risco que se corre com essa representatividade pra inglês ver, colocada nos programas por pessoas que não fazem parte desses grupos. Meus amigos não conversavam cantando Rap e nem eram dançarinos de Breakdance, eram só pessoas, que conversavam falando e evitavam dançar em público. Por isso até o Ranger Azul parecia uma escolha melhor durante as brincadeiras, ou até ser o monstro. Exigia menos esforço de interpretação.

      O atual modelo de representatividade, assim como era com os representantes de turma do ensino fundamental, coloca negros em posições de destaque sem lhes dar poder algum. Lhes exibe como exemplos, mas não permite que eles tenham voz ativa, pois quando essa voz é única, ela não representa nada além de sí mesma. Quando um homem branco faz algo errado ele responde por seus próprios atos, então por que quando um homem negro comete um erro ele se torna o representante de todos os negros da face da Terra?

     Se existem brancos de todos tamanhos, estilos e modelos, por que aquele único negro precisa representar todos que existem? O que precisamos não é de um personagem negro no meio de outros cinco brancos para que lembrem que a gente existe, nem de um único discurso sobre o que é ser negro, não precisamos dessa representatividade. Precisanos de protagonismo!

     Precisamos de filmes feitos por negros, jornais feitos por negros, humor feito por negros, e que não falem apenas sobre o que é ser negro, mas que falem sobre a vida. Não apenas sobre a vida das pessoas negras, a vida de todo mundo, pois nós sabemos sobre muito mais do que apenas as nossas vidas. Filmes com pessoas negras não precisam ser sempre sobre racismo ou escravidão, jornais com pessoas negras não precisam falar só sobre o assassinato de pessoas negras e o humor negro está longe de ser o que as pessoas associam a esse nome.
Isso é limitante e preconceituoso.

     Queremos mostrar todas as nuances de ser negro, todas as faces de pessoas reais que não foram representadas porque os meios de comunicação estavam ocupados construindo o esteriótipo de negro agressor de baixa escolaridade. O negro professor universitário, a negra empresária, a(o) negra(o) trans, os negros roqueiros, budistas e veganos acabaram ficando invisibilisados diante do olhar de alguém que não viveu nenhuma dessas realidades, ou viveu, mas não consegue perceber que é perfeitamente possível para alguém negro vivenciar o mesmo.

     Não queremos mais ser o núcleo pobre, ser o correspondente de angola ou ser o humorista que vai abrir o show do grande astro, não APENAS isso, queremos isso e muito mais! Queremos um jornal só com apresentadores negros, como já houveram tantos só com brancos, queremos novelas com elenco 90% negro, como já houve só com brancos, queremos ver um programa de humor no horário nobre só com negros e negras e queremos que isso seja NORMAL, como foi ao longo dos anos em que o elenco era todo branco.
     Sem sermos chamados de cota, de "mimizentos" e sem receber o dobro de críticas que qualquer outro grupo receberia. Nós queremos ser protagonistas!

Ass: Bruno Santos

terça-feira, 5 de maio de 2020

Quarentena


Hoje eu acordei tarde e não quis me levantar
Mas olhei pro lado e me lembrei que eu tinha alguém de quem cuidar



Já fazem mais de quarenta dias que eu estou em casa isolado
Mas para algumas pessoas isso é só um feriado



Tem gente passando fome por não poder trabalhar, tem gente morrendo sem conseguir respirar



Tem gente na praia correndo de lá pra cá, colocando o dedo na cara da polícia militar acreditando piamente ter o direito de mergulhar



Eu não sei que dia é hoje, e não faz muita diferença, se eu ligar minha TV só tem notícia sobre a doença



As doenças na verdade, também tem a ignorância, essa está matando mais do que a falta de ambulâncias.



Milhares de mortos, colegas de trabalho e vizinhas, mas ainda tem gente jurando que é só uma gripezinha.



Enquanto os números não tem rosto, é muito fácil negar, até parece que essa gente não tem ninguém para amar



Vendo parentes se despedindo a vários metros do caixão, sem o apoio dos amigos pra evitar aglomeração



Não imagino o quão doloroso e devastador possa ser ouvir, com desprezo e indiferença um sonoro "e daí?"



domingo, 22 de dezembro de 2019

Cinema e Representatividade

   Como consumidor de quadrinhos e desenhos animados desde a minha infância, posso dizer que estou vivendo um momento ímpar onde muitos dos personagens que eu admirava estão recebendo filmes e sendo conhecidos por uma nova geração que está se apossando destes personagens.

   Uma grande parte desses jovens são negros que estão vendo personagens parecidos com eles demonstrarem sua inteligência e suas habilidades para lutarem contra o mal, algo que existia em menor número na minha época. Eles estão tendo a possibilidade de se enxergarem como protagonistas em um área onde sempre foram coadjuvantes. E isso é fantástico.

   Entretanto, tenho visto pessoas, algumas mais velhas do que eu, criticando a releitura de alguns personagens clássicos, afirmando que eles estão descaracterizados e que sua infância está sendo destruída. Gostaria de falar um pouco sobre isso:

   Personagens fictícios, sejam de literatura, cinema ou quadrinhos possuem características éticas e morais que definem seus atos e que irão guiar suas transformações ao longo da história. Existem casos nos quais suas características físicas possuem influência sobre desdobramentos da sua vida, mas também existem casos, inumeráveis deles, onde as características físicam exercem zero influência sobre sua história.

   Tirando o fato do filme ser ruim, qual a influência da cor do personagem Tocha-Humana para o enredo da história? Qual será a relevância disso na história do Batman quando a Mulher-Gato e o Comissário Gordon forem negros? E no fime da Pequena Sereia, quando a Ariel for representada por uma atriz negra, isso realmente terá relevância?

"mas a Ariel é ruiva, sempre foi, isso é exagero"

   Bem, para começar, cabelos avermelhados acompanhados de sardas, são características de uma mutação genética no gene recessivo MC1R, presente em 10% da população mundial podendo aparecer inclusive em pessoas negras e asiáticas, logo, ser ruivo não é algo exclusivo da população caucasiana, logo, sim, vai ter Ariel ruiva e negra e Sereia nem existe então ela poderia ser até cor de abóbora.

   Que digasse de passagem, foi a cor pela qual clamaram que fosse a personagem Estelar da série Titans, sendo que para esta personagem, que é alienígena, a cor da pele faz toda a diferença já que o sol é a origem de seus poderes e ela precisa garantir a maior taxa de absorvição de luz solar possível em sua pele, logo, faz todo sentido ela ser negra.

   Personagens negros foram clareados pela indústria do áudio visual por várias décadas. Cleópatra era egípcia, país do continente africano, ela era negra, mas foi representada por uma branca no cinema. O próprio Jesus, nascido no Oriente Médio, não poderia ser um branco de olhos claros como vemos por aí.

   Não estamos pedindo que nos deixem ocupar nossos espaços, eles são nossos e nós vamos ocupar, o que vocês podem fazer é se conformar. Nós pagamos ingressos caros e queremos ver pessoas parecidas conosco nos cinemas e a indústria está sentindo isso, então apenas se acostumem e apreciem.

Fontes:

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Manhã de Operação

     No dia 09/05/2019 às 7h da manhã, enquanto ia para o trabalho passei por um veículo blindado da Polícia Militar do Rio de Janeiro juntamente com um grupo de estudantes. Tive medo de ser pego por uma bala-perdida, deixar minha esposa viúva, nossa casa vazia e minha faculdade pela metade. 
     “Se você não é bandido não tem que ter medo da polícia”, já ouvi isso, definitivamente não é uma afirmação vinda de um morador de comunidade carente. Quando o “Caveirão” passa, os moradores se arrepiam, pois sabem que há um tiroteio iminente. “Mas, bandido bom é bandido morto!”, se só morresse bandido nas operações policiais eu ficaria quieto para não correr o risco de ser chamado de “defensor de bandido” e então iria orar bem baixinho dizendo:

"Ó DEUS, QUE NÃO QUERES A MORTE DO PECADOR MAS, SIM, QUE SE CONVERTA E VIVA, NÓS TE SUPLICAMOS PELA INTERCESSÃO DA BEM AVENTURADA SEMPRE VIRGEM MARIA, DE SÃO JOSÉ, SEU ESPOSO E DE TODOS OS SANTOS, QUE NOS CONCEDAS UM MAIOR NÚMERO DE OPERÁRIOS PARA A TUA IGREJA, QUE TRABALHANDO COM CRISTO, SE DEDIQUEM E SACRIFIQUEM PELAS ALMAS. POR JESUS CRISTO, NA UNIDADE DO ESPÍRITO SANTO. AMÉM"

     Entretanto, tem muita gente inocente morrendo, por isso eu preciso falar. “Mas se sabe que o bairro tá perigoso por que vai pra rua? Tava pedindo.” Não! Ninguém pede pra levar tiro! O bairro é habitado por pessoas de todos os tipos, a maioria, me arrisco a dizer, são trabalhadores assalariados que recebem por dia e que precisam bater ponto para não sofrerem descontos, que não podem se arriscar em faltar, pois o exército de reserva é grande e o empregador gosta de produtividade, não de desculpas.
     E para os estudantes? Por que eles continuam saindo para a escola mesmo diante da iminência de uma guerra? Bem, uma parte da resposta está na Ilusão Fecunda, aquela ideia fixa dos pais que defendem fervorosamente que os estudos são o caminho para a mudança de vida, que este é o melhor caminho para que os filhos alcancem mais do que eles próprios foram capazes. Outro fator é que os pais não têm com quem deixar os filhos enquanto trabalham e acreditam que estes estarão melhor na escola que sozinhos em casa. Existem ainda os casos em que a escola representa uma economia para as famílias já que com ela os filhos farão uma refeição a menos em casa.
     “Mas a polícia tem que trabalhar”, sim, a polícia tem uma missão nobre e eu acredito que muitos agentes tenham empenho para “Servir e Proteger” como sugere o lema da corporação, entretanto, estes compõem uma das instituições que mais mata e mais morre no país. É chegado o momento de mudar o método. Desse jeito não dá mais. A população não aguenta mais viver com medo. E cada vez que eles matam um garoto em uma boca de fumo outros dois aparecem para substituir. A luta contra o tráfico de drogas é importante, mas não é na favela que ela tem que acontecer. Impeçam que drogas e armas cheguem na comunidade, encontrem as fazendas produtoras, barrem os caminhões, navios e helicópteros que transportam essas substâncias, sem ter o que vender o tráfico acaba.
     Por que eu escrevi todo esse texto? Porque eu tive medo, medo de sair para trabalhar e não voltar, medo de ter todos meus sonhos cancelados e me tornar estatística. Eu tive medo, mas amanhã eu vou sair para trabalhar de novo porque " o pobre vive de teimosia".

Ass: Bruno Santos

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Limites do Humor

   "O Povo brasileiro é animado e divertido". Essa é a imagem que o mundo tem de nós, e está certa. Somos um povo que sabe lidar com as adversidades e dar a volta por cima. Demonstramos isso em meio a situações bem adversas.

 Somos um povo que repete os mesmos trocadilhos de geração em geração, vide o famigerado “pavê ou pra comer”. Temos rixas centenárias com outros países, entre Estados, times e profissões. Fazemos piada com tudo, tudo mesmo, até o que nunca deveria ser motivo de piada. Religião, sexualidade, Doenças.. mortes. Sim, rimos quando pessoas morrem.

   Está na hora de colocar em pauta os limites do humor.  Pois na internet está cada vez mais difícil prever os limites das piadas, sejam sobre celebridades, políticos, artistas ou figuras religiosas. O limite tem demonstrado estar bem longe, e algumas pessoas até questionam sua existência. Mas, ele existe! Não importa se o Lula é seu adversário político, isso não te  dá o direito de fazer chacotas sobre a morte da esposa ou do irmão dele. Assim como não dá o direito de comemorar a facada do Bolsonaro. Pessoalmente não tenho afeição pelo Jean Wyllis, mas saber que ele não tomou posse por estar sofrendo ameaças me preocupa enquanto ser Humano.

    Essa corrida desenfreada por atenção que leva pessoas a expor as atrocidades de suas mentes em troca de um like precisa parar. Veja bem, no mês passado vi uma notícia sobre uma mulher que foi devorada por um crocodilo enquanto tentava alimentá-lo. Isso me fez pensar em uma piada, mas eu não escrevi, por compreender que isso  seria cruel. Acontece que centenas de outras pessoas parecem ter perdido esse filtro.

     Após o desastre da Vale (ocorrido em Brumadinho) foram divulgadas notícias sobre um desaparecido que tinha acabado  de ficar noivo após muitos anos de namoro, essa é uma notícia triste, a chance de encontrarem ele com vida já eram praticamente nula, fui nos comentários pensando em encontrar mensagens de apoio para a família, mas encontrei apenas piadas sobre como ele tinha se livrado do casamento e deveria ter ficado feliz por isso, algumas pessoas levantaram a  hipótese dele ter sumido de propósito.

    Por fim, a gota d'água para que esse texto fosse escrito veio da série de postagens a respeito do incêndio no CT do Flamengo, que pegou fogo tirando a vida de jovens com sonhos e projetos, jovens que talvez se tornassem ídolos de uma nação, que talvez estivessem compondo a seleção  brasileira de futebol daqui a alguns anos. PESSOAS FIZERAM PIADA SOBRE ISSO! Não dá pra acreditar que essa criatura não tem um mínimo de empatia, que o permita entender que aquele garoto não é diferente dele mesmo, de seu irmão ou seu filho. Que por trás desse garoto existem famíliares e amigos que estão sofrendo agora.

    Precisamos urgentemente estipular um limite para humor, pois as pessoas parecem não compreender a necessidade de não falarem tudo que pensam. Parecem não saber respeitar a dor alheia e parecem não estar interessadas em mudar. Enquanto não acontecerem punições reais para essas pessoas ela continuarão achando que a internet é uma área livre de responsabilidade onde podem falar o que bem entenderem sem sofrerem nenhuma consequência e essa é apenas a Minha Humilde Opinião.

Ass: Bruno Santos

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Meu Medo

     Homem negro e pobre. Meu perfil. Não me define, não contempla todas as complexidades da minha existência e, sendo assim, não destaca tudo que de fato eu sou. Mas, é o meu ‘’perfil’’, pois além de ser filho, irmão, esposo, amigo, cristão, estudante universitário, músico letrista, poeta, trabalhador, entre outros, eu sou um homem negro e de baixo poder aquisitivo. E essas duas coisas que não me definem interferem em todos os aspectos da minha vida.
     Ser pobre limita os lugares aonde eu vou e as oportunidades às quais eu tenho acesso, como viagens, cursos, obras literárias e espetáculos. Ser negro influencia na forma como eu sou visto por terceiros. De forma especial quando estou em um lugar que normalmente não é frequentado por pessoas de baixo poder aquisitivo, que - no Brasil - são majoritariamente negras. Além disso, ser negro me garante escolta especial quando estou em lojas de departamentos e mercados, exclusividade no uso de calçadas durante as noites no centro (já que costumam atravessar quando me aproximo) e mais espaço ao atravessar em semáforos, onde senhoras apertam suas bolsas contra o corpo para me garantir maior mobilidade, provavelmente.
     Ser pobre, entretanto, não me priva de ser contemplado por esse tradicional costume da cultura carioca chamado assalto. Aliás, ser pobre me leva a usar transporte público ou andar a pé, o que me deixa mais propenso a ter meus pertences tomados sob ameaças de morte de um personagem folclórico conhecido como “dois caras em uma moto”. Ser pobre me leva a morar em um bairro periférico o que, conjugado com a cor da minha pele, leva pessoas a acreditarem que EU sou um dos caras na moto.
     Ser visto como um possível praticante de assaltos me torna um alvo em potencial de violência policial, uma vez que na periferia eles parecem ter carta branca para agirem com a truculência que acharem necessária, e eles sempre acham necessária. Se bem que alguns traficantes que ganham carona no “Caveirão”, recebem armas de uso restrito e carregamentos de munição podem discordar.  Para mim, que não estou em dia com o pagamento do carnê do arrego, resta o risco de estar no lugar errado, na hora errada e acabar sendo preso por um crime que não cometi.
     Recapitulando, até o final de 2018 eu já era um homem negro que mora na periferia, é seguido nos mercados, olhado com estranheza/suspeita em locais da cidade e uma possível vítima de violência policial e crimes forjados. Isso ignorando todas as outras implicações psicológicas da visão sobre o negro nesse país como o desmerecimento da beleza, inteligência, cultura e relevância histórica.
     Se esta lista de adversidades para o bom andamento de uma vida plácida já não fosse suficiente, agora eu preciso me preocupar com a possibilidade daquelas pessoas que me olham esquisito e apertam as bolsas contra o peito ao me verem passar estarem armadas. O que é uma mudança significativa já que, ao invés de atravessarem a rua, eles(as) podem sacar de uma pistola na minha direção. Uma simples corrida para alcançar o ônibus pode resultar no meu último suspiro e andar com guarda-chuva na mão significará praticamente implorar pra levar um tiro. Afinal, mesmo policiais treinados os confundem com fuzis, como uma dona de casa saberia a diferença?
     A vida do homem negro e pobre corre risco. Todos os riscos que o homem branco e pobre corre, com alguns acréscimos. Afinal, a regra do “Inocente até que se prove o contrário” não se aplica a nós. Na verdade, cabe a nós provar nossa inocência a cada instante a fim de preservar nossas vidas.
     O homem negro e pobre corre risco! Risco de ser visto como um risco e por isso ser riscado do mapa. Risco de ser eliminado sem chance a defesa. Risco de ser ofendido e humilhado, mesmo tendo antecedentes imaculados. O homem negro corre risco, e essa é a minha humilde opinião, baseada na minha experiência de 28 anos sendo um negro pobre no Brasil.

Ass: Bruno Santos

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Meta de Ano Novo

    O réveillon é um momento de expectativas, muitos planos e promessas. Afinal, nada como o fim de um ciclo solar para fazer com que as pessoas criem metas. E já que é para falar sobre metas, vamos falar sobre uma palavra que deveria ser a principal meta para este ano: Empatia.
     Durante a manhã do dia primeiro vi nas redes sociais MAIS DE TRÊS pessoas compartilhando sua indignação por não encontrar mercados abertos onde pudessem comprar carne e cerveja para suas comemorações familiares. Uma dessas pessoas dizia que considerava um absurdo essa situação diante dos grandes índices de desemprego do país. Aparentemente esta pessoa não sabe a diferença entre emprego e escravidão e acredita que os funcionários devem estar disponíveis para atendê-lo(a) sete dias por semana, sem direito a folgas ou feriados. Mas, o que se esperar de uma população que jogam lixo no chão para "ajudar" os garis a manterem seus empregos?
     Uma das perguntas que passaram pela minha cabeça diante dessa situação foi: por que essas pessoas tão preocupadas com o desemprego do país não estavam trabalhando ao invés de estarem se preparando para fazer churrascos? Realmente, cobrar dos outros algo que não se faz é a cara do nosso povo. Como cobrar educação enquanto xinga a pessoa, cobrar honestidade dos governantes enquanto consome produtos no supermercado sem pagar por eles, criticar a conduta de artistas ao invés de vigiar o que fazem os próprios filhos.
     Temos um caso grave de crise de identidade, na qual grande parte da população não consegue se dar conta de seu real contexto social. Pessoas que não possuem condições financeiras para arcar com o custo de serviços particulares exigem a privatização de serviços públicos. Pessoas que alcançaram melhores condições de vida em decorrência de incentivos de programas sociais criticam os mesmos programas. Pessoas que nunca pisaram em uma faculdade e não conseguem notar a importância desse espaço para o desenvolvimento da ciência e de seres humanos agora querem criticar os métodos da academia.
     Estamos diante de uma população que nem sequer é capaz de se sensibilizar com o desespero passado por donos de animais e pais de crianças autistas durante as queimas de fogos, chamando essas pessoas de "chatos". Diante disso devo dizer que, se você não é capaz de se sentir comovido pela imagem de uma criança em uma crise de convulsão ou pelo sofrimento de um animal em meio a uma queima de fogos de 15 minutos, VOCÊ tem sérios problemas. Diga-se de passagem, já ví cães de vizinhos se jogarem de lajes e morrerem enforcados com as próprias coleiras durante uma extensa queimas de fogos, não é o tipo de coisa que eu queira presenciar novamente.
     Precisamos de uma população capaz de se colocar no lugar do outro, de entender que seus problemas e os problemas dos outros são diferentes e que devem ser tratados como tal. Precisamos de uma população que compreenda a importância de dar ouvidos as necessidades das minorias e de respeitar as experiências de cada um. Precisamos de uma reflexão mais profunda sobre o que significa ajuda, o que significa respeitar direitos e o que é apenas babaquice. Em 2019 a meta mais importante é que sejamos capazes de nos tornamos um povo mais compreensivo, capaz de olhar além de nosso próprio umbigo, mas essa é apenas a minha humilde opinião.

Ass;

Bruno Santos

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Por que a Abolição da Escravatura não é comemorada?

     Em 15 de maio de 2018 a Lei Áurea completou 130 anos. É um marco importante na história do país que foi o último do Ocidente a abolir a escravidão. Entretanto, essa não é uma data lembrada com facilidade pela população, muito menos comemorada e isso tem um motivo bem simples. Cento e trinta anos depois de ser liberto, o negro ainda não é visto como igual na sociedade.

     No ano de 1888 foram libertos os negros escravizados que ainda não tinham sido "beneficiados" com uma das chamadas Leis para inglês ver. Só não se iluda achando que os Ingleses eram boa gente e presavam pelo bem estar dos negros, na verdade eles queriam apenas ter mais pessoas para quem vender seus produtos e já que escravo não tem salário ele não consome, ou seja, não servia aos propósitos do mercado e impedia o Brasil de fazer relações comerciais, algo essencial para ser visto como país desenvolvido. Um exemplo das medidas usadas para alegrar os ingleses foi a Lei do Ventre Livre, esta concedia uma pseudo liberdade para os nascidos após 28 de setembro de 1871,  já que as crianças que eram 100% dependentes de suas mães que continuavam em condições de escravidão e acabavam ficando com elas nas senzalas e sendo tratados como qualquer outro escravo e já que comiam e bebiam da comida dos senhores escravistas lhes era atribuída um tipo de dívida.

     Outra medida pseudo libertária foi a Lei do Sexagenário que a partir de 28 de setembro de 1885 libertou os poucos escravos com mais de 60 anos que existiam, ou seja, os escravos que já não tinham forças para realizar os trabalhos pesados que lhes eram exigidos, fazendo na verdade com que os senhores de escravos apenas tivessem uma desculpa para largá-los na sarjeta.

     A Lei Áurea lançou na sociedade uma superpopulação de negros que não tinham onde morar, o que comer, não eram alfabetizados, não tinham uma profissão, uma história ou uma identidade já que tudo que lhes caracterizava como povo ficou na África. Agora eles eram apenas ex-escravos. Vistos como a escória após séculos sendo chamados de preguiçosos, ignorantes, ladrões e rebeldes. Eles foram simplesmente abandonados à própria sorte no mundo que foi construído com o suor de seus rostos, mas que não tinha espaço para eles. Já os ex-proprietários de escravos, receberam indenizações por cada escravo liberto, já que segundo lhes parecia, o Estado estava lhes desapropriando de um bem e eles não poderiam ficar com o prejuízo.

     Hoje, em pleno Século XXI, ainda sentimos as consequências dessa libertação feita nas coxas, sem planejamento ou sequer intenção de integração dos recém libertos. Vemos os negros compondo a maior parte da população de rua, ocupando a maior parte das unidades penitenciárias, a maior parte dos postos de trabalho subalternos e sendo os mais sujeitos a morrer de forma violenta. Ainda assim, um grupo insiste em dizer que os negros reclamam atoa, que deveríamos agradecer aos brancos por termos sido arrancados da Africa já que lá, segundo eles, só tem miséria e que essa tal Dívida Histórica é uma desculpa para tentar arrancar privilégios do governo.

     O negro é constantemente suspeito, seus traços físicos como cabelo e nariz são inferiorizados, não lhe é permitido ser protagonistas de  uma novela que se passa em um Estado com 82% da população negra, durante muitos anos foram excluídos das vagas nas faculdades e quando lhes foi garantido o direito a frequentá-las passaram a lhes chamar de vagabundos. Pois cento e trinta anos depois, o mundo ainda não está pronto para nós e é por isso que ao contrário da assinatura em um papel, cada espaço alcançado é comemorado. Cada negro que se forma, que tem a excelência de seu trabalho reconhecida, que chega onde nenhum de nós havia chegado, nos mostra que é possível e isso importa. Representatividade Importa!

     Como declarou por meio de seu twitter o ex-ministro da cultura Gilberto Gil, "Precisamos vivenciar uma nova extinção da escravatura, que transcenda o corpo da lei e faça prevalecer o seu espírito. Uma abolição que não fique só no papel, que conquiste as consciências". Essa também é a minha Humilde Opinião.

Ass: Bruno Santos

FONTES:

sábado, 5 de maio de 2018

Estraga Prazeres


No ano de 1895, o primeiro documentário em curta metragem na história do cinema foi exibido pelos irmãos Lumière, o que lhes conferiu o título de primeiros cineastas. Desde então essa forma de arte vem surpreendendo e encantando gerações.


Roteiro, atuação, fotografia, efeitos especiais, cenário, sonoplastia, direção, etc. É grande a quantidade de profissionais envolvidos no processo que coloca um filme no cinema. Atualmente, existe toda uma indústria que movimenta bilhões ao redor do mundo, gerando entretenimento para a população disposta a pagar o preço que - ao passar do tempo - só aumenta nas bilheterias. Entretanto, esse texto não tem como objetivo falar da indústria cinematográfica em si, a intenção é falar sobre outra coisa...

Eu nasci nos anos 90. Assisti Digimon e Dragonball Z na extinta TV Globinho, desenhos cujo final de cada episódio era marcado por prévias do que aconteceria no próximo e cujo nome de cada episódio já era um grande spoiler, como por exemplo "Goku se sacrifica! Só existe uma chance!", "Morre Vegeta! Um orgulhoso Saiyajin" e "Goku finalmente se transforma no Lendário Super Saiyajin". Sinceramente, isso não me incomodava nem um pouco na época, entretanto, nós crescemos e nossas perspectivas sobre algumas coisas se modificam. Um certo filme foi primordial para mudar o meu ponto de vista sobre isso.



Duas pessoas acordam em um banheiro, elas estão acorrentadas, em uma televisão um boneco macabro lhes passa instruções sobre o que devem fazer para sair de lá e diz a icônica frase "Que os jogos comecem". Sim, Jogos Mortais mudou minha visão sobre spoiler. A experiência que aquele filme me proporcionou me fez pensar no quanto eu perderia se eu conhecesse seu desfecho antecipadamente. Sentimento que se renovou quando eu assisti o filme Clube da Luta. Quem assistiu sabe do que estou falando! A vontade de ver o filme novamente para poder prestar atenção no que não tinha visto antes é empolgante e é a esse ponto que quero chegar.

Filmes mexem com emoções, nos fazem ver os personagens como pessoas, coloca-nos no lugar deles. Não se trata apenas de uma experiência audiovisual, mas de uma experiência de introspecção, de olhar para nossas próprias vidas através da vida de um personagem fictício e rever conceitos, princípios e práticas. Bem, isso falando de um filme de cerca de uma hora e meia, no máximo três horas de duração. Agora vamos mudar de patamar.

Falemos de um universo, com dez anos de existência, com atores que interpretam os mesmos personagens há tanto tempo que fica difícil dissociá-los. Personagens por quem se tem carinho, admiração e respeito. Cargas emocionais altíssimas. Bem, tudo isso existe em Vingadores: Guerra Infinita.

Um filme de Blockbuster que não pretende ser educativo nem sequer concorrer a um Oscar. Só quer vender ingressos e todos os produtos possíveis e imagináveis que levem a sua marca. Parece uma bobeira para você que façam jejum de internet para evitar saber o que vai acontecer no filme? Para mim não, pois isso tem a ver com a experiência individual da pessoa com o filme.

Para alguém que espera a continuação de uma história há meses ou que leu os quadrinhos e espera para ver aquilo no cinema há anos, um spoiler equivale a uma invasão, como se você abrisse o exame e dissesse o sexo do filho dele antes da hora. Se você teve a sorte de ver um filme na estréia, não prejudique a experiência do seu colega. Deixe ele desfrutar de cada cena, rir de cada piada e se surpreender com o final da mesma forma que você pôde.


Quem dá spoiler é carente e quer chamar atenção, mas essa é apenas a Minha Humilde Opinião.

Ass:

Bruno Santos

Fontes:


domingo, 21 de janeiro de 2018

Só uma opinião de leve.

     Hoje o dia acordou triste para muitos jovens brasileiros. O motivo? Suas notas baixas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que os deixaram um pouco mais longe do sonho de cursar uma faculdade. Para mim, o dia amanheceu triste por outro motivo: eu assisti o clipe da versão light  de "Só Surubinha de Leve". É meus amigos, a curiosidade não matou o gato, ele se suicidou de tanto arrependimento. Mas, já que eu me submeti a isso, que ao menos sirva para embasar uma reflexão. Afinal, com toda tribulação vem uma lição.

     Vivemos em um país onde um " artista" divulga a descrição clara de um estupro em ritmo festivo e descontraído, mas acha o ato tão normal que, quando as pessoas criticam negativamente, ele pensa que a causa é o fato dele não levar a vítima para casa depois. Ou seja, embebedar mulheres, drogá-las ou até dar o famoso "boa noite Cinderela" e usá-las como objeto sexual (talvez até em uma orgia) é normal, mas descartá-la em um beco escuro qualquer já é demais... gênio!


     Era de se esperar que em pleno Século XXI os homens tivessem se dado conta que manter relações sexuais com uma garota drogada ou embriagada se qualifica como estupro, mesmo com o "consentimento" dela. Consentimento entre aspas, tendo em vista que ela não está sob perfeitas condições de raciocínio para a tomada de decisões. Homens que se valem desses recursos para alcançar suas pseudo conquistas demonstram apenas que possuem mentes perversas, incapazes de conquistar uma mulher através de uma conversa, por exemplo. Incapazes de se conformarem com a ideia de que pode não haver conquista. Que pode haver um ''não'' por parte das mulheres e que isso deve ser respeitado.



     Tendo dito isso, vale ressaltar que essa música em particular nem é uma das mais pesadas do funk carioca, por incrível que pareça! Existem relatos de abusos bem mais completos e chocantes, relatos de pedofilia e abandono, alguns baseados em fatos reais. Estas músicas tocam frequentemente nas comunidades periféricas do nosso Estado, onde - aparentemente - não incomodam tanto. Claro que o aumento do acesso à informação está levando o funk para todas as partes do Brasil e do mundo, que este mesmo acesso está desenvolvendo um senso crítico sobre o que consumimos e ouvimos e sem dúvida nos possibilita um posicionamento em relação a isso.



     Entretanto, não é de hoje que músicas com letras pesadas e boas batidas, caem nas graças do povo. Muitas delas já ganharam versões light para serem veiculadas nos meios de comunicação de massa. Para citar as mais recentes, que tal ouvir a música "Bem Querer" do MC Livinho? Ou ''Baile de Favela'', do MC João e "Mama", do MC Catra e Valesca Popozuda. Ou uma das músicas mais escutadas em 2017: a "Deu Onda", do MC G15. No final do texto tem um link com as versões originais e modificadas das mesmas. 



     Por coincidência - ou não - todas estas músicas estavam em alta quando o Senado vetou o projeto de Lei que tornaria o funk "um crime contra a saúde pública de crianças, adolescentes e à família". Será que a votação teria um resultado diferente se acontecesse amanhã? O Projeto de Lei criado por Marcelo Alonso, um webdesigner de São Paulo, alegava que os bailes funk são redutos de criminosos, estupradores e pedófilos, e que visava apenas atendê-los e ajudá-los no recrutamento de jovens e adolescentes, além de incentivar o uso de drogas e álcool. O Relator do caso, o Senador Romário(Pode-RJ) afirmou que o projeto era inconstitucional por cercear a livre manifestação cultural e de pensamento.

     Porém, não é de hoje que o Funk tem problemas com a justiça. A música "Um Tapinha Não Dói" de autoria de MC Naldinho (letra) e Dennis DJ, foi gravada por Naldinho & Bela para o álbum Furacão 2000 - Tornado Muito Nervoso 2, no início dos anos 2000. A canção logo se tornou um sucesso, inclusive internacionalmente. Em 2003, uma ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal e pela ONG Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero contra a música, por considerarem que "ela banaliza a violência contra a mulher, transmite uma visão preconceituosa contra a imagem da mesma, além de dividir as mulheres em boas ou más conforme sua conduta sexual". Em 2010, depois de sete anos de tramitação na Justiça Federal, a empresa detentora dos direitos da música (Furacão 2000 Produções Artísticas Ltda), foi condenada, em primeira instância, a pagar uma multa no valor de R$ 500 mil. Em 2013 - 3 anos após a condenação - o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Rio de Janeiro) absolveu a empresa Furacão 2000 após o desembargador federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior considerar que "letras de funk como a desta música podem até ser de mau gosto, mas não incitam a violência".

  Enquanto eu me esforçava para chegar ao fim do clipe do MC Diguinho, muitos pensamentos passavam pela minha mente. Será que as garotas que ouvem e dançam essa música em casa ou em uma balada possuem clareza sobre o que está sendo tratado? Ou elas apenas dançam como dançariam qualquer música em inglês mesmo que não soubessem o que está sendo dito? Essa música, que já foi retirada do Spotify, alcançou a marca de 14 milhões de visualizações no YouTube. Teve quem ouviu e achou graça, quem sentiu nojo, quem se manifestou e quem se identificou. Por mais reprovável que seja, essa música exprime uma realidade.

     Mulheres sofrem abusos todos os dias! E agora as pessoas estão falando sobre isso. Não era a intenção do artista, certamente, mas está servindo para isso e essa conquista deve ser explorada. Afinal, é uma discussão importante conseguindo espaço na mídia. Tenho a esperança que esse episódio servirá para que mais homens se conscientizem sobre seus atos, que mais mulheres escutarão de forma crítica as músicas que estão dançando e que os artistas encontrarão o equilíbrio entre o poético e o ofensivo. Mas, essa é apenas a Minha Humilde Opinião. 

Ass: Bruno Santos


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