domingo, 11 de outubro de 2020

Chega de Representatividade

     Nos últimos tempos tem sido amplamente divulgados por meio das redes sociais e dos meios de comunicação tradicionais vários discursos sobre a importância da representatividade.

     Essa palavra comprida que significa nada mais do que ver todo tipo de gente em todo tipo de lugar. Por ser eu um homem negro, ao longo deste texto darei uma maior ênfase a visão específica da representação desta parcela da população que me atinge diretamente.

     Representatividade me remete a representante, que me faz lembrar automaticamente das(os) representantes de classe que durante o ensino fundamental tinham o papel não apenas de anotar o nome de quem fazia bagunça, apesar dessa ser a parte favorita de muitos, mas também de representar os interesses da turma durante os conselhos de classe. Eu cheguei a ser cogitado para este cargo algumas vezes e sempre fui enfático ao declinar do convite. O motivo? Custo benefício.

     Simplesmente não valia a pena ser o "dedo duro" da turma absolutamente de graça. O representante não tinha nenhum benefício na escola e pior, nas quartas, quando todos os alunos iam embora mais cedo para assistir a segunda parte da TV Globinho ou participar das aulas de  música do projeto Jovem Aprendiz, ele ficava em uma sala vendo os colegas serem criticados pelos professores.

     Basicamente, os representantes eram espectadores das decisões tomadas, assim como nós, mas que ficavam sabendo destas antes de nós. O máximo de serviço que eles prestavam aos alunos eram as negociações de adiantamento de aulas em caso de ausência de professores, o que nos permitia chegar em casa mais cedo para assistir PowerRanger Mighty Morphin em outros dias da semana além da quarta.
     Falando em PowerRanger, tem uma coisa interessante sobre representatividade nesse programa infantil. O time de heróis contava com dois homens brancos, uma mulher branca, uma oriental e um negro. Acho que posso dizer que é um dos poucos programas que assisti na minha infância que contava com um homem negro, mas estranhamente, durante as brincadeiras, ninguém queria ser o Ranger Preto, todos os meninos queriam ser o Ranger Vermelho.
     Isso poderia ser justificado pelo fato dele ser o líder do grupo, mas quando eu penso em outros programas que eu assinti na minha infância vejo que raramente o personagem principal era meu favorito. Então, o que impedia meus amigos, em sua maioria negros, de se verem representados pelo Ranger que mais se assemelhava a eles? Ao meu ver, o esteriótipo!
     O esteriótipo é o risco que se corre com essa representatividade pra inglês ver, colocada nos programas por pessoas que não fazem parte desses grupos. Meus amigos não conversavam cantando Rap e nem eram dançarinos de Breakdance, eram só pessoas, que conversavam falando e evitavam dançar em público. Por isso até o Ranger Azul parecia uma escolha melhor durante as brincadeiras, ou até ser o monstro. Exigia menos esforço de interpretação.

      O atual modelo de representatividade, assim como era com os representantes de turma do ensino fundamental, coloca negros em posições de destaque sem lhes dar poder algum. Lhes exibe como exemplos, mas não permite que eles tenham voz ativa, pois quando essa voz é única, ela não representa nada além de sí mesma. Quando um homem branco faz algo errado ele responde por seus próprios atos, então por que quando um homem negro comete um erro ele se torna o representante de todos os negros da face da Terra?

     Se existem brancos de todos tamanhos, estilos e modelos, por que aquele único negro precisa representar todos que existem? O que precisamos não é de um personagem negro no meio de outros cinco brancos para que lembrem que a gente existe, nem de um único discurso sobre o que é ser negro, não precisamos dessa representatividade. Precisanos de protagonismo!

     Precisamos de filmes feitos por negros, jornais feitos por negros, humor feito por negros, e que não falem apenas sobre o que é ser negro, mas que falem sobre a vida. Não apenas sobre a vida das pessoas negras, a vida de todo mundo, pois nós sabemos sobre muito mais do que apenas as nossas vidas. Filmes com pessoas negras não precisam ser sempre sobre racismo ou escravidão, jornais com pessoas negras não precisam falar só sobre o assassinato de pessoas negras e o humor negro está longe de ser o que as pessoas associam a esse nome.
Isso é limitante e preconceituoso.

     Queremos mostrar todas as nuances de ser negro, todas as faces de pessoas reais que não foram representadas porque os meios de comunicação estavam ocupados construindo o esteriótipo de negro agressor de baixa escolaridade. O negro professor universitário, a negra empresária, a(o) negra(o) trans, os negros roqueiros, budistas e veganos acabaram ficando invisibilisados diante do olhar de alguém que não viveu nenhuma dessas realidades, ou viveu, mas não consegue perceber que é perfeitamente possível para alguém negro vivenciar o mesmo.

     Não queremos mais ser o núcleo pobre, ser o correspondente de angola ou ser o humorista que vai abrir o show do grande astro, não APENAS isso, queremos isso e muito mais! Queremos um jornal só com apresentadores negros, como já houveram tantos só com brancos, queremos novelas com elenco 90% negro, como já houve só com brancos, queremos ver um programa de humor no horário nobre só com negros e negras e queremos que isso seja NORMAL, como foi ao longo dos anos em que o elenco era todo branco.
     Sem sermos chamados de cota, de "mimizentos" e sem receber o dobro de críticas que qualquer outro grupo receberia. Nós queremos ser protagonistas!

Ass: Bruno Santos