domingo, 22 de dezembro de 2019

Cinema e Representatividade

   Como consumidor de quadrinhos e desenhos animados desde a minha infância, posso dizer que estou vivendo um momento ímpar onde muitos dos personagens que eu admirava estão recebendo filmes e sendo conhecidos por uma nova geração que está se apossando destes personagens.

   Uma grande parte desses jovens são negros que estão vendo personagens parecidos com eles demonstrarem sua inteligência e suas habilidades para lutarem contra o mal, algo que existia em menor número na minha época. Eles estão tendo a possibilidade de se enxergarem como protagonistas em um área onde sempre foram coadjuvantes. E isso é fantástico.

   Entretanto, tenho visto pessoas, algumas mais velhas do que eu, criticando a releitura de alguns personagens clássicos, afirmando que eles estão descaracterizados e que sua infância está sendo destruída. Gostaria de falar um pouco sobre isso:

   Personagens fictícios, sejam de literatura, cinema ou quadrinhos possuem características éticas e morais que definem seus atos e que irão guiar suas transformações ao longo da história. Existem casos nos quais suas características físicas possuem influência sobre desdobramentos da sua vida, mas também existem casos, inumeráveis deles, onde as características físicam exercem zero influência sobre sua história.

   Tirando o fato do filme ser ruim, qual a influência da cor do personagem Tocha-Humana para o enredo da história? Qual será a relevância disso na história do Batman quando a Mulher-Gato e o Comissário Gordon forem negros? E no fime da Pequena Sereia, quando a Ariel for representada por uma atriz negra, isso realmente terá relevância?

"mas a Ariel é ruiva, sempre foi, isso é exagero"

   Bem, para começar, cabelos avermelhados acompanhados de sardas, são características de uma mutação genética no gene recessivo MC1R, presente em 10% da população mundial podendo aparecer inclusive em pessoas negras e asiáticas, logo, ser ruivo não é algo exclusivo da população caucasiana, logo, sim, vai ter Ariel ruiva e negra e Sereia nem existe então ela poderia ser até cor de abóbora.

   Que digasse de passagem, foi a cor pela qual clamaram que fosse a personagem Estelar da série Titans, sendo que para esta personagem, que é alienígena, a cor da pele faz toda a diferença já que o sol é a origem de seus poderes e ela precisa garantir a maior taxa de absorvição de luz solar possível em sua pele, logo, faz todo sentido ela ser negra.

   Personagens negros foram clareados pela indústria do áudio visual por várias décadas. Cleópatra era egípcia, país do continente africano, ela era negra, mas foi representada por uma branca no cinema. O próprio Jesus, nascido no Oriente Médio, não poderia ser um branco de olhos claros como vemos por aí.

   Não estamos pedindo que nos deixem ocupar nossos espaços, eles são nossos e nós vamos ocupar, o que vocês podem fazer é se conformar. Nós pagamos ingressos caros e queremos ver pessoas parecidas conosco nos cinemas e a indústria está sentindo isso, então apenas se acostumem e apreciem.

Fontes:

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Manhã de Operação

     No dia 09/05/2019 às 7h da manhã, enquanto ia para o trabalho passei por um veículo blindado da Polícia Militar do Rio de Janeiro juntamente com um grupo de estudantes. Tive medo de ser pego por uma bala-perdida, deixar minha esposa viúva, nossa casa vazia e minha faculdade pela metade. 
     “Se você não é bandido não tem que ter medo da polícia”, já ouvi isso, definitivamente não é uma afirmação vinda de um morador de comunidade carente. Quando o “Caveirão” passa, os moradores se arrepiam, pois sabem que há um tiroteio iminente. “Mas, bandido bom é bandido morto!”, se só morresse bandido nas operações policiais eu ficaria quieto para não correr o risco de ser chamado de “defensor de bandido” e então iria orar bem baixinho dizendo:

"Ó DEUS, QUE NÃO QUERES A MORTE DO PECADOR MAS, SIM, QUE SE CONVERTA E VIVA, NÓS TE SUPLICAMOS PELA INTERCESSÃO DA BEM AVENTURADA SEMPRE VIRGEM MARIA, DE SÃO JOSÉ, SEU ESPOSO E DE TODOS OS SANTOS, QUE NOS CONCEDAS UM MAIOR NÚMERO DE OPERÁRIOS PARA A TUA IGREJA, QUE TRABALHANDO COM CRISTO, SE DEDIQUEM E SACRIFIQUEM PELAS ALMAS. POR JESUS CRISTO, NA UNIDADE DO ESPÍRITO SANTO. AMÉM"

     Entretanto, tem muita gente inocente morrendo, por isso eu preciso falar. “Mas se sabe que o bairro tá perigoso por que vai pra rua? Tava pedindo.” Não! Ninguém pede pra levar tiro! O bairro é habitado por pessoas de todos os tipos, a maioria, me arrisco a dizer, são trabalhadores assalariados que recebem por dia e que precisam bater ponto para não sofrerem descontos, que não podem se arriscar em faltar, pois o exército de reserva é grande e o empregador gosta de produtividade, não de desculpas.
     E para os estudantes? Por que eles continuam saindo para a escola mesmo diante da iminência de uma guerra? Bem, uma parte da resposta está na Ilusão Fecunda, aquela ideia fixa dos pais que defendem fervorosamente que os estudos são o caminho para a mudança de vida, que este é o melhor caminho para que os filhos alcancem mais do que eles próprios foram capazes. Outro fator é que os pais não têm com quem deixar os filhos enquanto trabalham e acreditam que estes estarão melhor na escola que sozinhos em casa. Existem ainda os casos em que a escola representa uma economia para as famílias já que com ela os filhos farão uma refeição a menos em casa.
     “Mas a polícia tem que trabalhar”, sim, a polícia tem uma missão nobre e eu acredito que muitos agentes tenham empenho para “Servir e Proteger” como sugere o lema da corporação, entretanto, estes compõem uma das instituições que mais mata e mais morre no país. É chegado o momento de mudar o método. Desse jeito não dá mais. A população não aguenta mais viver com medo. E cada vez que eles matam um garoto em uma boca de fumo outros dois aparecem para substituir. A luta contra o tráfico de drogas é importante, mas não é na favela que ela tem que acontecer. Impeçam que drogas e armas cheguem na comunidade, encontrem as fazendas produtoras, barrem os caminhões, navios e helicópteros que transportam essas substâncias, sem ter o que vender o tráfico acaba.
     Por que eu escrevi todo esse texto? Porque eu tive medo, medo de sair para trabalhar e não voltar, medo de ter todos meus sonhos cancelados e me tornar estatística. Eu tive medo, mas amanhã eu vou sair para trabalhar de novo porque " o pobre vive de teimosia".

Ass: Bruno Santos

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Limites do Humor

   "O Povo brasileiro é animado e divertido". Essa é a imagem que o mundo tem de nós, e está certa. Somos um povo que sabe lidar com as adversidades e dar a volta por cima. Demonstramos isso em meio a situações bem adversas.

 Somos um povo que repete os mesmos trocadilhos de geração em geração, vide o famigerado “pavê ou pra comer”. Temos rixas centenárias com outros países, entre Estados, times e profissões. Fazemos piada com tudo, tudo mesmo, até o que nunca deveria ser motivo de piada. Religião, sexualidade, Doenças.. mortes. Sim, rimos quando pessoas morrem.

   Está na hora de colocar em pauta os limites do humor.  Pois na internet está cada vez mais difícil prever os limites das piadas, sejam sobre celebridades, políticos, artistas ou figuras religiosas. O limite tem demonstrado estar bem longe, e algumas pessoas até questionam sua existência. Mas, ele existe! Não importa se o Lula é seu adversário político, isso não te  dá o direito de fazer chacotas sobre a morte da esposa ou do irmão dele. Assim como não dá o direito de comemorar a facada do Bolsonaro. Pessoalmente não tenho afeição pelo Jean Wyllis, mas saber que ele não tomou posse por estar sofrendo ameaças me preocupa enquanto ser Humano.

    Essa corrida desenfreada por atenção que leva pessoas a expor as atrocidades de suas mentes em troca de um like precisa parar. Veja bem, no mês passado vi uma notícia sobre uma mulher que foi devorada por um crocodilo enquanto tentava alimentá-lo. Isso me fez pensar em uma piada, mas eu não escrevi, por compreender que isso  seria cruel. Acontece que centenas de outras pessoas parecem ter perdido esse filtro.

     Após o desastre da Vale (ocorrido em Brumadinho) foram divulgadas notícias sobre um desaparecido que tinha acabado  de ficar noivo após muitos anos de namoro, essa é uma notícia triste, a chance de encontrarem ele com vida já eram praticamente nula, fui nos comentários pensando em encontrar mensagens de apoio para a família, mas encontrei apenas piadas sobre como ele tinha se livrado do casamento e deveria ter ficado feliz por isso, algumas pessoas levantaram a  hipótese dele ter sumido de propósito.

    Por fim, a gota d'água para que esse texto fosse escrito veio da série de postagens a respeito do incêndio no CT do Flamengo, que pegou fogo tirando a vida de jovens com sonhos e projetos, jovens que talvez se tornassem ídolos de uma nação, que talvez estivessem compondo a seleção  brasileira de futebol daqui a alguns anos. PESSOAS FIZERAM PIADA SOBRE ISSO! Não dá pra acreditar que essa criatura não tem um mínimo de empatia, que o permita entender que aquele garoto não é diferente dele mesmo, de seu irmão ou seu filho. Que por trás desse garoto existem famíliares e amigos que estão sofrendo agora.

    Precisamos urgentemente estipular um limite para humor, pois as pessoas parecem não compreender a necessidade de não falarem tudo que pensam. Parecem não saber respeitar a dor alheia e parecem não estar interessadas em mudar. Enquanto não acontecerem punições reais para essas pessoas ela continuarão achando que a internet é uma área livre de responsabilidade onde podem falar o que bem entenderem sem sofrerem nenhuma consequência e essa é apenas a Minha Humilde Opinião.

Ass: Bruno Santos

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Meu Medo

     Homem negro e pobre. Meu perfil. Não me define, não contempla todas as complexidades da minha existência e, sendo assim, não destaca tudo que de fato eu sou. Mas, é o meu ‘’perfil’’, pois além de ser filho, irmão, esposo, amigo, cristão, estudante universitário, músico letrista, poeta, trabalhador, entre outros, eu sou um homem negro e de baixo poder aquisitivo. E essas duas coisas que não me definem interferem em todos os aspectos da minha vida.
     Ser pobre limita os lugares aonde eu vou e as oportunidades às quais eu tenho acesso, como viagens, cursos, obras literárias e espetáculos. Ser negro influencia na forma como eu sou visto por terceiros. De forma especial quando estou em um lugar que normalmente não é frequentado por pessoas de baixo poder aquisitivo, que - no Brasil - são majoritariamente negras. Além disso, ser negro me garante escolta especial quando estou em lojas de departamentos e mercados, exclusividade no uso de calçadas durante as noites no centro (já que costumam atravessar quando me aproximo) e mais espaço ao atravessar em semáforos, onde senhoras apertam suas bolsas contra o corpo para me garantir maior mobilidade, provavelmente.
     Ser pobre, entretanto, não me priva de ser contemplado por esse tradicional costume da cultura carioca chamado assalto. Aliás, ser pobre me leva a usar transporte público ou andar a pé, o que me deixa mais propenso a ter meus pertences tomados sob ameaças de morte de um personagem folclórico conhecido como “dois caras em uma moto”. Ser pobre me leva a morar em um bairro periférico o que, conjugado com a cor da minha pele, leva pessoas a acreditarem que EU sou um dos caras na moto.
     Ser visto como um possível praticante de assaltos me torna um alvo em potencial de violência policial, uma vez que na periferia eles parecem ter carta branca para agirem com a truculência que acharem necessária, e eles sempre acham necessária. Se bem que alguns traficantes que ganham carona no “Caveirão”, recebem armas de uso restrito e carregamentos de munição podem discordar.  Para mim, que não estou em dia com o pagamento do carnê do arrego, resta o risco de estar no lugar errado, na hora errada e acabar sendo preso por um crime que não cometi.
     Recapitulando, até o final de 2018 eu já era um homem negro que mora na periferia, é seguido nos mercados, olhado com estranheza/suspeita em locais da cidade e uma possível vítima de violência policial e crimes forjados. Isso ignorando todas as outras implicações psicológicas da visão sobre o negro nesse país como o desmerecimento da beleza, inteligência, cultura e relevância histórica.
     Se esta lista de adversidades para o bom andamento de uma vida plácida já não fosse suficiente, agora eu preciso me preocupar com a possibilidade daquelas pessoas que me olham esquisito e apertam as bolsas contra o peito ao me verem passar estarem armadas. O que é uma mudança significativa já que, ao invés de atravessarem a rua, eles(as) podem sacar de uma pistola na minha direção. Uma simples corrida para alcançar o ônibus pode resultar no meu último suspiro e andar com guarda-chuva na mão significará praticamente implorar pra levar um tiro. Afinal, mesmo policiais treinados os confundem com fuzis, como uma dona de casa saberia a diferença?
     A vida do homem negro e pobre corre risco. Todos os riscos que o homem branco e pobre corre, com alguns acréscimos. Afinal, a regra do “Inocente até que se prove o contrário” não se aplica a nós. Na verdade, cabe a nós provar nossa inocência a cada instante a fim de preservar nossas vidas.
     O homem negro e pobre corre risco! Risco de ser visto como um risco e por isso ser riscado do mapa. Risco de ser eliminado sem chance a defesa. Risco de ser ofendido e humilhado, mesmo tendo antecedentes imaculados. O homem negro corre risco, e essa é a minha humilde opinião, baseada na minha experiência de 28 anos sendo um negro pobre no Brasil.

Ass: Bruno Santos

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Meta de Ano Novo

    O réveillon é um momento de expectativas, muitos planos e promessas. Afinal, nada como o fim de um ciclo solar para fazer com que as pessoas criem metas. E já que é para falar sobre metas, vamos falar sobre uma palavra que deveria ser a principal meta para este ano: Empatia.
     Durante a manhã do dia primeiro vi nas redes sociais MAIS DE TRÊS pessoas compartilhando sua indignação por não encontrar mercados abertos onde pudessem comprar carne e cerveja para suas comemorações familiares. Uma dessas pessoas dizia que considerava um absurdo essa situação diante dos grandes índices de desemprego do país. Aparentemente esta pessoa não sabe a diferença entre emprego e escravidão e acredita que os funcionários devem estar disponíveis para atendê-lo(a) sete dias por semana, sem direito a folgas ou feriados. Mas, o que se esperar de uma população que jogam lixo no chão para "ajudar" os garis a manterem seus empregos?
     Uma das perguntas que passaram pela minha cabeça diante dessa situação foi: por que essas pessoas tão preocupadas com o desemprego do país não estavam trabalhando ao invés de estarem se preparando para fazer churrascos? Realmente, cobrar dos outros algo que não se faz é a cara do nosso povo. Como cobrar educação enquanto xinga a pessoa, cobrar honestidade dos governantes enquanto consome produtos no supermercado sem pagar por eles, criticar a conduta de artistas ao invés de vigiar o que fazem os próprios filhos.
     Temos um caso grave de crise de identidade, na qual grande parte da população não consegue se dar conta de seu real contexto social. Pessoas que não possuem condições financeiras para arcar com o custo de serviços particulares exigem a privatização de serviços públicos. Pessoas que alcançaram melhores condições de vida em decorrência de incentivos de programas sociais criticam os mesmos programas. Pessoas que nunca pisaram em uma faculdade e não conseguem notar a importância desse espaço para o desenvolvimento da ciência e de seres humanos agora querem criticar os métodos da academia.
     Estamos diante de uma população que nem sequer é capaz de se sensibilizar com o desespero passado por donos de animais e pais de crianças autistas durante as queimas de fogos, chamando essas pessoas de "chatos". Diante disso devo dizer que, se você não é capaz de se sentir comovido pela imagem de uma criança em uma crise de convulsão ou pelo sofrimento de um animal em meio a uma queima de fogos de 15 minutos, VOCÊ tem sérios problemas. Diga-se de passagem, já ví cães de vizinhos se jogarem de lajes e morrerem enforcados com as próprias coleiras durante uma extensa queimas de fogos, não é o tipo de coisa que eu queira presenciar novamente.
     Precisamos de uma população capaz de se colocar no lugar do outro, de entender que seus problemas e os problemas dos outros são diferentes e que devem ser tratados como tal. Precisamos de uma população que compreenda a importância de dar ouvidos as necessidades das minorias e de respeitar as experiências de cada um. Precisamos de uma reflexão mais profunda sobre o que significa ajuda, o que significa respeitar direitos e o que é apenas babaquice. Em 2019 a meta mais importante é que sejamos capazes de nos tornamos um povo mais compreensivo, capaz de olhar além de nosso próprio umbigo, mas essa é apenas a minha humilde opinião.

Ass;

Bruno Santos