segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Marca Líder.


     No ramo da publicidade existe um conceito conhecido como Marca Líder. Chamam assim marcas que se tornam referência em um seguimento a ponto de terem seus nomes confundidos com o dos próprios produtos.

     É o caso do Nescau, que é como chamamos qualquer achocolatado em pó, seja ele da marca Toddy ou Chocopinho, do Bombril, que passou a ser um sinônimo de esponja de aço, da Gillette, que parece servir para qualquer lâmina de barbear e não esqueça do Cotonete que oficialmente se chama "haste pequena envolta em algodão". Na gramática essas substituições recebem o nome de metonímia.

     Há alguns séculos atrás, uma pessoa ou grupo de pessoas criou uma "marca líder" com indiscutível sucesso. O problema é que essa "marca" não se referia a um produto ou a um fabricante, se referia ao conceito de beleza. Pode ser que isso tenha acontecido apenas comigo, mas durante muitos anos da minha vida, ao ouvir a expressão MULHER BONITA a associação feita automaticamente era a imagem de uma mulher branca, com longos cabelos loiros e lisos, alta e magra, mas ainda com curvas.
   
     Eu não estou dizendo que nunca tinha visto uma mulher negra que considerasse bonita, o que quis dizer é que, sempre que uma mulher bonita era representada, fosse em um filme, livro, desenho animado, novela ou concurso de beleza, ela nunca era negra. Aliás, mesmo nos concursos internacionais de beleza, parecia que os negros só existiam no continente africano.

     Uma parte importante no processo de tornar uma marca " A Melhor" é fazer as outras parecerem piores do que realmente são e essa, sem dúvida foi a etapa mais bem sucedida do processo. Fizeram o cabelo crespo se tornar "cabelo ruim", a pele com maior taxa de melanina se tornou um sinônimo de sujeira, no sentido literal e moral, e o nariz achatado virou "nariz de batata". Até as curvas das negras passaram a ser vistas com volúpia pecaminosa.
   
     As vezes, subindo meu feed de notícias vejo postagens de pessoas que dizem ter vencido o preconceito porque tinham sobrepeso na infância e conseguiram emagrecer, porque eram muito magras e ganharam corpo com malhação ou porque se achavam feios e agora podem exibir o resultado de seus anos usando aparelhos ortodônticos, fazendo tratamentos de pele e novos penteados. Tenho que dizer a essas pessoas: Vocês não venceram o preconceito!

     Vocês aceitaram o preconceito, compraram o produto dele, tomaram o que ele disse como verdade e se adaptaram as suas vontades. Deixar de ser gordo não te faz vencer a gordofobia, só te faz deixar de ser uma vítima imediata dela. Acontece que um negro não pode deixar de ser negro, não importa quanto racismo ele sofra. Ter sua imagem depreciada mexerá com sua auto estima e ele tentará se enquadrar ao padrão de beleza socialmente estabelecido, alisando seus cabelos, mudando sua forma de falar, seu jeito de se vestir, suas companhias e na pior das hipóteses recorrendo a cirurgias plásticas. Mas, ele sempre será negro!

     Sendo assim, se ao contrário de outros oprimidos, os negros não possuem a opção de mudar determinadas características físicas, qual a solução para vencer o preconceito? Empoderar-se! Tomar conhecimento da própria beleza, da própria força e se libertar dos padrões pré-estabelecidos. Compreender que seu cabelo não bate na mãe, rouba ou mata, sendo assim não pode ser chamado de ruim. Que a cor da sua pele é linda e que seu nariz é perfeito do jeito que é.

     A partir do momento em que os negros deixam de querer ser brancos eles começam a consumir produtos diferentes, produtos que os representem.  Começam a ir a lugares, falar com pessoas e divulgam essas coisas. Isso cria um mercado, e consequentemente faz com que as grandes empresas lembrem que esse público existe e tem dinheiro para gastar. Dinheiro esse que eles querem muito receber. Porque o dinheiro não sofre racismo, ele é aceito independente de sua origem. É nesse momento que a verdadeira luta começa.

     Obviamente o movimento de auto-aceitação negra vem de gerações, com muita luta e algumas poucas conquistas, mas nos anos de 2015/2016 vimos algo inesperado. Nesse meio tempo Beyoncé fez os americanos lembrarem que ela é negra, Viola Davis ganhou um prêmio metendo o dedo na ferida em seu discurso sobre negros não poderem ganhar prêmios por papéis que não existem e a ausência de um negro na premiação do Oscar não passou desapercebida.

     Fatos relacionados, mas menos relevantes foram a escolha de um ator negro para interpretar o personagem L na adaptação norte-americana do anime Death Note, a peça teatral baseada no livro Harry Potter que contou com uma Hermione negra e a Marvel ter anunciado que uma jovem negra assumirá a armadura do Homem de Ferro em seus quadrinhos. Quis citar esses fatos aqui devido a repercussão nas redes sociais. Pessoas alegaram que os personagens haviam sido DESTRUÍDOS pelo simples fato da cor de sua pele ter sido alterada, mesmo levando em conta que essas mudanças não trariam nenhuma mudança significativa ao roteiro.

      O que concluir disso então? Nós incomodamos! Existem milhares de negros no mundo, mas quando este mundo é representado nós somos omitidos. Escondidos, como se devessem ter vergonha de nós. Sabe quando são chamadas pessoas negras para fazer a figuração da cena de um filme? Quando querem representar uma cena que se passa em um bairro pobre. Você pode me acusar de ser paranóico, eu também já me acusei disso, mas então usei meu olhar crítico. Tente fazer o mesmo:

     Olhe para a sua cidade, lembre das últimas cinco eleições, caso você tenha idade para isso, e me diga: quantos prefeitos negros vocês já tiveram? Algum? Ótimo! Não teve? Então quantos candidatos negros já tiveram? Lembrou de algum? Agora me diga, você acha que ter um negro em evidência, fazendo um bom trabalho é interessante para alguém além dos próprios negros? Talvez sim, mas por que abrir precedente?

   Os EUA, um país chamado de Primeiro Mundo, que se tornou independente bem antes de nós e que possui uma população negra tão grande quanto a nossa só teve Barack Obama em 2009. Quanto tempo levará para que um negro assuma a presidência em um país onde afrodescendentes parecem precisar de cotas até para aparecer em comerciais de TV? Um negro para cada cinco brancos, essa é a fórmula.

     Matematicamente falando, o fato de ter um apresentador de telejornal negro no meio de 15 brancos não é realmente relevante - na verdade é preocupante, visto que representamos 53% da população do país -  mas perceber que algo está mudando causa o sentimento de estranheza em quem sempre teve todos os papéis a sua disposição. Por isso a Maria Júlia Coutinho é atacada nas redes sociais. Por isso a imagem de uma jovem de jaleco com o texto "a casa grande pira quando a senzala vira médica" gera textos gigantescos de brancos jurando que "somos todos iguais".

     Hoje os negros possuem maior visibilidade,  somos grande parte dos membros de equipes esportivas, deixamos nossa marca na música, estamos mais frequentes nas universidades e em cargos públicos. Entretanto, ainda somos ínfimos nos cargos de liderança das empresas, desaparecemos nas estatísticas de professores universitários e entre os médicos e infelizmente depois de tanto tempo continuamos sendo a maioria na população das periferias, nos subempregos e nas penitenciárias.

     Ser visto, ser lembrado, ser notório, essa é a marca do negro, esse é o seu talento e é com essa marca que venceremos todos os preconceitos e imposições sociais. Assim mostraremos que também somos belos, capazes e virtuosos porque os privilégios deles podem ser históricos, mas a nossa luta também é.

Esta é a Minha Humilde Opinião.

Ass: Bruno Santos"

Fontes:

Discurso de Viola Davis.

Sim, Beyoncé é negra.

Para conhecer mais sobre o nosso trabalho, sugerir temas ou apenas entrar em contato, visite a nossa página no Facebook.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Estou aberto a criticas construtivas e informações novas (ou não) que queiram dividir. Mas, lembre que mesmo na internet somos responsáveis pelo que falamos.